Exposição . 6 nov – 4 dez 2021

Performance de Rebecca Moradalizadeh . 4 dez às 18h

Terra _ folha de sala em pdf

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Terra

O segundo momento do Ciclo Era já ali mas já era outra coisa, é também o momento do meio. Segue-se a Galho (uma exposição nossa – Daniel Moreira e Rita Castro Neves, e de Xavier Paes) e antecipa o Poço de Maria Oliveira e Marta Ramos.

No espaço da Neblina, a luz natural dá agora lugar a um escurecimento do espaço iluminado por luz artificial pontual, a de dois projetores de vídeo: é a luz das imagens, e de duas outras pequenas fontes de luz. A atmosfera é de intimidade e de concentração, numa onírica sucessão de imagens.

Tânia Dinis e Rebecca Moradalizadeh são duas artistas da mesma geração, que vivem no Porto, e que se encontram no projeto Era já ali mas já era outra coisa para juntas partilharem uma residência artística na antiga escola primária da aldeia beirã de Macieira, e realizarem uma exposição (Tânia Dinis) e uma performance (Rebecca Moradalizadeh) de novo no Porto.

O convite para o encontro parte da identificação de uma partilha de interesses pela memória, as matérias antigas, o poder das plantas (ecológico, estético, curativo…), a ruralidade como fonte de ensinamentos, a observação da natureza, pelas pessoas como guardiãs de histórias e do conhecimento local.

O tempo de uma residência é o de uma vivência diária, com momentos de intensidade e afazeres, e compassos de espera. Enquanto esperava, Tânia foi testando marcas do tempo e da luz sobre o papel fotográfico que lhe ofereceu o amigo Henrique, essas provas diretas são como um herbário de espécies locais. Como nos disse, “fui fazendo para passar o tempo”, e certamente, dizemos nós, para o observar e guardar também. As marcas que as plantas deixam no papel fotográfico, são um seu duplo em potência, que podem durante o tempo da exposição continuar a mudar, de cor e intensidade, e até mesmo desaparecer. É assim volátil e pouco controlado este processo de capturar sombras de plantas locais, metáfora para a premência das suas várias ameaças.

Esta insegurança sobre o resultado de um dado processo ou técnica é algo que Tânia Dinis não apenas aceita, mas mais do que isso, trabalha. Sabemos que, atualmente, fotografar com polaroids é um processo incerto[1], assim como filmar em Super 8 e 16mm com câmaras antigas e pouco fiáveis, é também e naturalmente um processo de aceitação do erro e da surpresa. Duas técnicas que Tânia também usa para esta exposição. Os dois formatos de película (Super 8 e 16mm) são montados juntos, no mesmo filme, assumindo para além da diferença dos formatos, as diferentes densidades, tons, e luminosidade, numa obra que vai intercalando imagens captadas da paisagem de alta montanha, de rochas impressionantes, dos animais que pastam, de uma pequena igreja que se fez debaixo de terra numa gruta cujo corredor se tem que atravessar de gatas, em paralelo com as evocativas imagens de José de Almeida no seu trabalho de escultura.

José de Almeida reside na aldeia de Macieira, onde construiu e mantém, com o filho, o famoso restaurante Salva Almas. É aqui que expõe as suas esculturas em madeira e granito, que foi construindo ao longo de décadas. As obras incluem-se na obra maior que é o próprio restaurante, a casa, as duas criptas, a pérgola e o terraço – obra de arquitetura total em constante mutação e melhoramento. José de Almeida mostrou o seu trabalho pela primeira vez num contexto de arte contemporânea, a nosso convite, na exposição coletiva da serra e da terra[2] no espaço portuense dos Maus Hábitos de 11 de setembro a 8 de novembro de 2020. Tânia Dinis que também participou dessa exposição, teve depois a oportunidade de com ele trabalhar durante a residência, conversando e filmando-o a esculpir duas obras em madeira, bem como no ato de afiar a sua ferramenta. É o som da ferramenta de José de Almeida, que perpassa todo o filme (e a sala de exposições), dessincronizado com o gesto que vemos, e com as outras imagens do lugar. O som que este faz como que pontua a nossa visão, que é a de um corpo de 91 anos, um corpo que acumula saber fazer, artístico mas não só, o corpo de alguém que atravessou e dominou ao longo da vida várias técnicas, de várias profissões.

Em contraponto, as três polaroids mostram paisagem, bois e vacas no monte, e José de Almeida sentado numa cadeira, no exterior da sua casa. O descanso representado na imagem fotográfica fixa, contrasta com o constante movimento do seu trabalho nas imagens em movimento. A diferente postura da personagem – em movimento/parado; a trabalhar e a criar/ a descansar e em contemplação – encontra um reflexo no processo escolhido pela artista – cinema/fotografia, filme/polaroids.

Na exposição apresentam-se também duas obras inacabadas de José de Almeida, um animal-tronco que se vê no filme em processo de ser feito, e outra escultura que parte do trabalho sobre a raiz de uma árvore. A sua condição de inacabadas, colocam-nas num espaço transitório e liminal do seu ser, assim abrindo perspetivas sobre possibilidades, potencialidades e caminhos da obra artística, no vaivém entre ser ramo ou raiz e caber já no campo da escultura. No final de Terra, as obras retornam a Macieira, para continuarem a sua vida.

No espaço, uma outra projeção mais pequena mostra paisagem e um outro gesto de trabalho: o da Rebecca Moradalizadeh na apanha da carqueja. Capturado em filme por Tânia Dinis, o posicionamento do corpo de Rebecca no cume da Serra da São Macário, é um plano semi-picado, que lembra a vigilante florestal – Fátima Costa – que da sua posição privilegiada do alto da torre de São Macário foi indicando à Rebecca onde havia carqueja.

Olhar para a carqueja desta serra, foi para Rebecca Moradalizadeh a continuação do estudo que já desenvolvia a propósito da dura vida das carquejeiras do Porto. Por outro lado, a atenção também se inscreve no interesse de Rebecca pela gastronomia, quer enquanto atividade profissional (ser cozinheira), quer artística (os jantares performativos que tem realizado ao longo dos anos, as performances desenvolvidas também no seio do grupo Sintoma, a série Landmarks…)[3].

Junto à pequena projeção, uma mesa de apoio (à performance) feita à medida, para 10 copos de vidro e uma cafeteira de balão. No chão, um monte de carqueja promete uma imagem do que será a performance a realizar no último dia da exposição. Elementos em espera para uma alquimia, curativa e gastronómica, natural e medicinal. No espaço, o filme com a ação de Rebecca na serra é documento e memória do que a ocupou durante o tempo da residência artística, e antecipação do gesto que, como público, veremos ao vivo, na performance.

Mais uma vez nos focamos no tempo do gesto corporal repetido de quem trabalha, e que aqui também é o gesto do processo criativo e o do fazer artístico.

Em Terra, as polaroids, as impressões diretas em papel fotográfico, película super 8 e 16 mm, esculturas em madeira, plantas da serra, e um corpo em performance, participam na construção de um universo telúrico operativo, de contemplação, reflexão e estudo, como “luas que aparecem na cabeça de uma pessoa”[4].

Daniel Moreira e Rita Castro Neves


[1] são vários os relatos de artistas, incluindo nós próprios, que atualmente descrevem a instabilidade da qualidade deste processo, incluindo a experiência de comprar items sem prata uniforme. Desde que a fábrica faliu, e que depois foi retomada, que a busca da receita secreta do processo de fotografia dita analógica com revelação imediata, tem sido uma pesquisa, seguida e comentada globalmente, com alguns avanços e vários retrocessos.

[2] Sobre esta exposição vide o nosso texto www.academia.edu/44684846/da_serra_e_da_terra.

[3] Pode pesquisar-se mais sobre este trabalho no recentemente publicado Inlnad Journal #25 (setembro de 2021, em breve descarregável no site: http://inland-journal.com/jornal/) e no site da artista: www.rebeccamoradalizad.wixsite.com/visualartist

[4] Comentário de José de Almeida a propósito do seu processo criativo, em conversa informal connosco a 28 de outubro de 2021.

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Fotos da Exposição | Photos of the Exhibition

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Fotos da Performance | Photos of the Performance

” São 200 molhos, 300 molhos de carqueja” performance da Rebecca Moradalizadeh no dia 4 de dezembro 2021 na Neblina no Porto.

” São 200 molhos, 300 molhos de carqueja” by Rebecca Moradalizadeh was a performance presented on the 4th December 2021 at Neblina in Porto

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” São 200 molhos 300 molhos de carqueja” (teaser)by Rebecca Moradalizadeh.4/12/21 Video: Tânia Dinis

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Fotos da inauguração | Photos of the Opening

Fotos/Photos@Daniel Moreira e Rita Castro Neves

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Era já ali e já era outra coisa tem o apoio do Programa Garantir Cultura da República Portuguesa.

It was just there and it was already something else is supported by the Portuguese State Program Garantir Cultura.